quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Choque Distributivo

O choque distributivo é uma variação do choque circulatório e acomete, em especial pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI's), sendo um dos principais fatores contribuintes para as altas taxas de mortalidade hospitalar, mesmo com os avanços na compreensão da fisiopatologia do choque e da terapêutica aplicada (MARSON et al., 1998).
Essa alteração fisiológica é caracterizada por inadequação entre a demanda tecidual e a oferta de oxigênio ocasionada por uma alteração na correta distribuição de nutrientes através do fluxo sanguíneo. Assim, temos tecidos com fluxo sanguíneo elevado em relação à necessidade e outros com fluxo sanguíneo suficiente em termos numéricos, mas deficiente para atender às necessidades metabólicas do organismo (SIQUEIRA, SCHMIDT, 2003).
Uma das causas desencadeadoras pode advir de fatores neurológicos, como trauma raquimedular, uso de drogas vasodilatadoras, anafilaxia e doenças endócrinas. A vasodilatação ocasiona diminuição da resistência vascular periférica (RVP), que por sua vez ocasiona uma diminuição do retorno venoso e do débito cardíaco. Como mecanismo de compensação para esse estado hemodinâmico, ocorre aumento da contratilidade e da frequência cardíaca (MARSON et al., 1998).
Segundo Neto (2011) a fisiologia cardíaca normal é composta por três fatores principais:
Pré-carga
Volume ventricular no final da diástole. A elevação da pré-carga leva ao aumento do volume de ejeção. A pré-carga depende principalmente do retorno do sangue venoso corporal. Por sua vez, o retorno venoso é influenciado por alterações da postura, pressão intratorácica, volume sanguíneo e do equilíbrio entre a constrição e dilatação (tônus) no sistema venoso.
Pós-carga
Resistência à ejeção (propulsão) ventricular ocasionada pela resistência ao fluxo sanguíneo na saída do ventrículo. Ela é determinada principalmente pela resistência vascular sistêmica.
Contratilidade
Representa a capacidade de contração do miocárdio na ausência de quaisquer alterações na pré-carga ou pós-carga. Em outras palavras, é a “potência” do músculo cardíaco.
Em casos de choque distributivo, há alteração de um ou mais fatores. Veja abaixo uma estrutura que faz menção ao sistema cardiovascular:

Figura 1 – Sistema cardiovascular
Fonte: NETO, 2011.
O equilíbrio entre os três mecanismos fisiológicos do coração proporcionam ao organismo a regulação da circulação sistêmica, mantendo em níveis adequados o suprimento sanguíneo para órgãos e tecidos do corpo.
As veias promovem o retorno do sangue, a partir dos leitos capilares, até o coração e contém cerca de 70% do volume sanguíneo circulante, contrastando com os 15% representados pelo sistema arterial (NETO, 2011). Portanto, a diminuição da resistência vascular sistêmica (RVS) influenciará negativamente na resistência vascular periférica (RVP) fazendo com que as veias sofram vasodilatação exacerbada reduzindo assim, o retorno venoso e consequentemente alterando significativamente o débito cardíaco (DC).
O diagnóstico do tipo de choque circulatório pode ser baseado na determinação de variáveis hemodinâmicas através da monitorização hemodinâmica invasiva, com o uso do cateter de Swan-Ganz (SIQUEIRA, SCHMIDT, 2003).

Fonte: Adaptado de Siqueira BG & Schmidt, 2003.
O papel do enfermeiro na promoção constante de educação continuada à equipe de enfermagem é essencial para se trabalhar adequadamente com a manutenção e o controle hemodinâmico do paciente, proporcionando ao profissional maior segurança na identificação de alterações que o paciente pode apresentar à beira do leito hospitalar.
Profissional, este distúrbio hemodinâmico pode ser muito perigoso e colocar à vida do paciente em risco. O diagnóstico precoce é determinante na sobrevida do enfermo e na redução das taxas de mortalidades em UTI's. Trabalhemos em conjunto para minimizar esses riscos!
Texto escrito pelo Monitor do Programa Proficiência Júlio Eduvirgem
REFERÊNCIAS
MARSON F. et al. A Síndrome do Choque Circulatório. Simpósio: Medicina Intensiva: I Infecção e Choque. p. 369-379, jul.- set.. Ribeirão Preto, 1998. Disponível em: <http://www.fmrp.usp.br/revista/1998/vol31n3/a_sindrome_choque_circulatorio.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2012
NETO, Á R. Fisiologia Cardiovascular. LIGAMI. p. 38. Disponível em: <http://www.cepeti.com.br/bibliografia_LIGAMI2011.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2012
SIQUEIRA, B. G., SCHMIDT. Choque Circulatório: definição, classificação, diagnóstico e tratamento. Simpósio: Urgências e Emergências Cardiológicas. p. 145-150, abr.- dez.. Ribeirão Preto, 2003 Disponível em: <http://www.fmrp.usp.br/revista/2003/36n2e4/1_choque_circulatorio.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2012.
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Atuação da enfermagem frente ao procedimento de cateterismo umbilicalSex, 30 de Novembro de 2012 19:08Olá caro colega. Nesse blog vamos discutir sobre o cateterismo umbilical em recém-natos, procedimento que é realizado para obtenção de acesso central venoso ou arterial, através do coto umbilical.
Em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, o cateterismo umbilical é um procedimento comum e essencial no cuidado ao recém-nascido pré-termo, principalmente naqueles que necessitam de infusão contínua e possuem dificuldade para punção de acesso vascular. Além disso, contribui para a estabilização e manutenção de nutrição adequada (COREN, 2011).
Trata-se de um procedimento invasivo que possui diversas finalidades, tais como: infusão de líquidos, monitorização de pressão arterial invasiva, gasometria arterial, intervenção cardíaca, infusão de drogas e trocas sanguíneas (COREN, 2011; BRASIL, 2011). É importante lembrar que o cateterismo umbilical constitui uma escolha em casos emergenciais, não devendo ser escolhido para acesso de rotina, por decorrência das complicações da utilização dessa via.
Você sabia que no ano de 2011 foi legalizada a realização de cateterismo umbilical como prática privativa do Enfermeiro? Para conhecer mais sobre essa legislação você pode ler a Resolução COFEN n. 388/2011 e também o Parecer COFEN. n. 9/2011. Essas afirmam que a ação de alta complexidade deve ser realizada pelo Enfermeiro, o qual deve estar capacitado para desenvolver tal técnica (COFEN, 2011).
É importante ressaltar que em decorrência da sensibilidade da pele antes do procedimento em prematuros extremos, a antissepsia deve ser feita com solução aquosa de Clorexidina, ou a aplicação de água destilada após o uso da Clorexina alcóolica. Pois, isso reduz os riscos de queimaduras químicas (BRASIL, 2011).
Segundo a Anvisa - Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (2010), após realizada a sutura do cateter no coto umbilical, a fixação deve ser realizada por meio da técnica da "ponte", de acordo com a figura abaixo:

Figura 1 – Fixação do cateterismo umbilical.
Fonte: ANVISA, 2010.
Conforme vimos anteriormente, esse procedimento deve ser realizado criteriosamente, em caso de extrema necessidade.
Os cateteres umbilicais arteriais devem ser mantidos por no máximo cinco dias e os venosos podem permanecer por até quatorze dias (BRASIL, 2010).
Isto se dá pelo risco de complicações possíveis do procedimento, as quais podem estar relacionadas ao posicionamento do cateter, como alteração na perfusão dos membros inferiores, acidentes vasculares decorrentes de tromboembolismo, vasoespasmo, hipertensão arterial, decorrentes de acidentes com o cateter, como a quebra ou desconexão acidental, e complicações relacionados às infecções (COREN, 2011; BRASIL, 2010).
Você percebeu como o cateterismo umbilical deve ter atenção especial da equipe de enfermagem? Sendo assim, verifique as ações da equipe de enfermagem que são relevantes para manutenção e cuidado a esse procedimento:
• Verificar rigorosamente a perfusão, pulso e temperatura de membros inferiores;
• Manter o cateter e a torneirinha livre de sangue evitando a formação de coágulos e proliferação de microrganismos. Caso haja um coágulo o mesmo deve ser retirado por aspiração e nunca injetando o líquido;
• Registrar todas as infusões ou retirada de líquido do cateter;
• Realizar o manuseio das conexões com técnicas assépticas, promovendo a desinfecção com gaze e álcool etílico, sempre utilizando luvas;
• Não infundir hemocomponentes e drogas vasoativas no cateter arterial (UNIFESP, 2011).
Dessa forma, caro colega, destacamos o quão importante é sua atuação de forma consciente e cuidadosa frente a esse procedimento que é tão delicado. Você já cuidou de um recém-nascido com cateterismo umbilical? Conhece alguma situação ou complicação desse procedimento? Compartilhe conosco suas experiências e opiniões.
Texto escrito pelos monitores do Programa Proficiência: Diego Nardoto, Elisa de Fátima Borella e Vanessa Evelyn de Mello.
Referências
COFEN. Conselho Federal de Enfermagem. Pareceres COFEN: n. 9/2011/COFEN/CTNL. Possibilidade do enfermeiro realizar cateterismo umbilical em recém-nascido. Brasília, 2011. Disponível em: <http://coren-df.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=1215:no-0092011cofenctnl-possibilidade-do-enfermeiro-realizar-cateterismo-umbilical-em-recem-nascido&catid=80:pareceres-cofen&Itemid=73>. Acesso em: 22 nov. 2012.
COFEN. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução Nº 388/2011. Normatiza a execução, pelo enfermeiro, do acesso venoso, via cateterismo umbilical. Brasília, 2011. Disponível em: <http://novo.portalcofen.gov.br/resoluo-cofen-n-3882011_8021.html>. Acesso em 22 nov. 2012.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde.. Brasília, 2011. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_recem_nascido_%20guia_profissionais_saude_v2.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2012.
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária- ANVISA. Orientações para Prevenção de Infecção Primária de Corrente Sanguínea. 2010. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/ef02c3004a04c83ca0fda9aa19e2217c/manual+Final+preven%C3%A7%C3%A3o+de+infec%C3%A7%C3%A3o+da+corrente.pdf?MOD=AJPERES>. Acesso em: 22 nov. 2012.
UNIFESP. Universidade Federal de São Paulo. Intervenções de enfermagem no procedimento de cateterismo umbilical. São Paulo, 2011. Disponível em: <http://www.unifesp.br/hsp/testealfa/arquivos/hsp/assist/espec/pediatria/intervencoes%20de%20enf%20proc%20de%20cat%20umb.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2012.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Eclâmpsia uma das complicações da SHG


A Síndrome Hipertensiva da Gestação (SHG) abrange os casos de hipertensão durante a gravidez e é uma complicação que atinge entre 6% e 30% das gestantes no mundo. É a principal causa de mortalidade materna no Brasil e a terceira em nível mundial, se desenvolvendo devido a alterações fisiológicas pouco eficientes durante a gravidez e podendo levar a inúmeras intercorrências gestacionais. Recentemente, estudos mostraram que alguns nutrientes auxiliam na prevenção. Por isso, atenção para algumas dicas importantes:
  • ENERGIA: O excesso de peso aumenta a inflamação do organismo, facilitando a hipertensão, e pode aumentar entre três e sete vezes o risco de pré-eclampsia. Apesar disso, o ganho de peso gestacional deve permanecer de forma saudável, pois emagrecer não é recomendado. Ganho superior a três kg/mês após a 20ª semana pode relacionar-se a edema e deve ser acompanhado.
  • PROTEÍNAS: A albumina é a proteína mais abundante no sangue e uma de suas funções é equilibrar a quantidade de líquidos dentro e fora dos tecidos. Na SHG, a sua perda por meio da urina faz com que a albumina diminua ainda mais do que o normal na gestação saudável, levando ao desequilíbrio entre os líquidos e ao edema. Não há comprovação científica do benefício de dieta hiperproteica, porém a ingestão adequada de proteínas é imprescindível. Para isso, vale incluir fontes proteicas (carnes magras, ovos, leguminosas, leite e derivados) em todas as refeições. A recomendação diária para gestantes equivale a aproximadamente 1 bife médio (120g) + 1 concha de feijão + 1 filé de pescada (100g) + 1 copo (200ml) de leite + 1 fatia grossa de queijo branco.
  • GORDURAS: O ômega 3 auxilia na redução dos tromboxanos, que aumentam a pressão nos vasos capilares, a formação de trombos e reduzem o fluxo sanguíneo na placenta. Procure utilizar óleos vegetais de canola ou girassol nas preparações, azeite nos temperos, consumir, 2 a 3 porções de peixes/semana e reduza as gorduras animais, industrializadas e frituras.
  • FIBRAS: As dietas ricas em fibras ajudam a reduzir a pressão arterial, entre outros benefícios. Estudos mostram que gestantes com maior ingestão de fibras apresentaram menor risco de desenvolver SHG. Por isso, consuma frutas, verduras e legumes crus e cereais integrais o máximo possível!
  • CÁLCIO: A baixa ingestão de cálcio pode desencadear alterações hormonais que aumentam a pressão nos vasos sanguíneos, e o consumo adequado reduz o risco de complicações da SHG. Casos especiais podem requerer suplementação, porém procure garantir o consumo diário equivalente a 2 copos (200ml) de leite + 1 copo (180g) de iogurte + 1 fatia grossa de queijo branco.
  • SÓDIO: Restringir o sal durante a gestação com SHG não traz benefícios porque o edema se dá pela redução protéica sérica, e não pelo excesso de sódio. Em casos de gestantes com hipertensão prévia à gestação, recomenda-se dieta hipossódica. Nos demais casos, a dica é apenas para alimentação saudável, com menor consumo de alimentos embutidos, processados e industrializados, sem sal em excesso.
  • ANTIOXIDANTES: Na SHG ocorre redução dos agentes antioxidantes do organismo, favorecendo ainda mais a hipertensão, e existe forte relação entre o aumento no consumo de alimentos ricos em carotenóides/vitamina A, vitamina E e C e menor risco de SHG. Em algumas pesquisas, gestantes com baixos níveis destes antioxidantes tinham risco até 9,8 vezes maior de SHG. Procure incluir na dieta os vegetais verde-escuros, alimentos avermelhados e alaranjados, frutas cítricas, oleaginosas (castanhas e amêndoas) e óleos vegetais (azeite, linhaça, macadâmia, etc), além de ovos e carnes magras, leite e derivados.
Procure sempre o auxílio dos profissionais médico e nutricionista.
Autor: Rachel Helena Vieira Machado, nutricionista clínica Einstein

* Lembrando que:
 Gravidez pressupõe o crescimento de um ser geneticamente diferente dentro do útero da mulher, uma vez que herdou metade dos genes do pai. Ela não rejeita esse corpo estranho, porque desenvolve mecanismos imunológicos para proteger o feto. Em alguns casos, porém, ele libera proteínas na circulação materna, que provocam uma resposta imunológica da gestante, que agride as paredes dos vasos sanguíneos, causando vasoconstrição e aumento da pressão arterial.
A hipertensão arterial específica da gravidez recebe o nome de pré-eclâmpsia e, em geral, instala-se a partir da 20ª semana, especialmente no 3° trimestre.
A pré-eclâmpsia pode evoluir para a eclâmpsia, uma forma grave da doença, que põe em risco a vida da mãe e do feto.
As causas dessas enfermidades ainda não foram bem estabelecidas. O que se sabe é que estão associadas à hipertensão arterial, que pode ser crônica ou especifica da gravidez.
Sintomas
a) Sintomas da pré-eclâmpsia (que também pode ser assintomática): hipertensão arterial, edema (inchaço), principalmente nos membros inferiores, que pode surgir antes da elevação da pressão arterial, aumento exagerado do peso corpóreo e
proteinúria, isto é, perda de proteína pela urina.
b) Sintomas característicos da eclâmpsia: convulsão (às vezes precedida por dor de cabeça, de estômago e perturbações visuais), sangramento vaginal e coma.
Diagnóstico e fatores de risco
O diagnóstico é estabelecido com base nos níveis elevados da pressão arterial, na história clínica, nos sintomas da paciente e nos resultados de exames laboratoriais de sangue e de urina.
São fatores de risco:
1) hipertensão arterial sistêmica crônica;
2) primeira gestação;
3) diabetes;
4) lúpus;
5) obesidade;
6) histórico familiar ou pessoal das doenças supra-citadas;
7) gravidez depois dos 35 anos e antes dos 18 anos;
8) gestação gemelar.
Tratamento e prevenção
A única maneira de controlar a pré-eclâmpsia e evitar que evolua para eclâmpsia é o acompanhamento pré-natal criterioso e sistemático da gestação.
Pacientes com pré-eclâmpsia leve devem fazer repouso, medir com frequência a pressão arterial e adotar uma dieta com pouco sal.
Medicamentos anti-hipertensivos e anticonvulsivantes são indicados para o controle dos quadros mais graves, que podem exigir a antecipação do parto. A doença regride espontaneamente com a retirada da placenta.
Recomendações
* Vá ao ginecologista antes de engravidar para avaliação clínica e início da administração de ácido fólico;
* Compareça a todas as consultas previstas no pré-natal e siga rigorosamente as recomendações médicas durante a gestação;
* Lembre que a hipertensão é uma doença insidiosa, que pode ser assintomática. Qualquer descuido e a ausência de sintomas podem fazer com que uma forma leve de pré-eclâmpsia evolua com complicações;
* Faça exercícios físicos compatíveis com a fase da gestação e suas condições orgânicas no momento;
* Reduza a quantidade de sal nas refeições, não fume e suspenda a ingestão de álcool durante a gravidez.
 

Teste molecular poderá evitar cirurgia desnecessária em casos de câncer retal


Por Karina Toledo, de Salamanca

Agência FAPESP – O tratamento padrão para câncer de reto atualmente envolve a chamada terapia neoadjuvante – que consiste em aplicar quimioterapia e radioterapia para reduzir o tamanho do tumor –, seguida por uma cirurgia invasiva que, na maioria dos casos, tem grande impacto na qualidade de vida do doente.
Uma parcela significativa dos pacientes responde tão bem à terapia neoadjuvante que poderia até mesmo ser dispensada da cirurgia. Cientistas do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, do Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês e do Instituto Angelita & Joaquim Gama trabalham no desenvolvimento de um teste molecular com o objetivo de auxiliar os médicos a identificar esses casos.
Os resultados preliminares da pesquisa, que conta com apoio da FAPESP, foram apresentados por Anamaria Aranha Camargo, diretora do Instituto Ludwig, no dia 11 de dezembro, durante o evento “Fronteras de la Ciencia – Brasil y España en los 50 años de la FAPESP.
O simpósio integra as comemorações dos 50 anos da FAPESP e reúne, nas cidades de Salamanca (10 a 12/12) e Madri (13 e 14/12), pesquisadores do Estado de São Paulo e de diferentes instituições de ensino e pesquisa do país ibérico, em uma programação intensa, diversificada e aberta ao público.
Segundo Camargo, aproximadamente 3% dos pacientes não respondem à terapia neoadjuvante e são submetidos desnecessariamente aos efeitos adversos da quimioterapia e da radioterapia. No outro extremo, porém, há 30% que respondem tão bem que nem sequer precisariam ser operados.
“Esse número pode chegar a 60% dependendo do protocolo usado. Precisamos de ferramentas mais eficientes para diferenciar esses casos e fazer um tratamento mais personalizado”, disse Camargo à Agência FAPESP.
Hoje, a avaliação dos resultados da terapia neoadjuvante é feita por meio de análises sorológicas, toque retal e exames de imagem, como ultrassom e tomografia. Mas nenhuma dessas técnicas é suficiente para dar ao médico a certeza de que o tumor desapareceu. Na dúvida, os cirurgiões preferem operar.
Dependendo da área afetada, a cirurgia pode prejudicar a função sexual e causar incontinência urinária e fecal. A boa notícia, porém, é que os avanços na área de genômica estão permitindo a identificação de marcadores e o desenvolvimento de testes personalizados que poderão livrar boa parte dos pacientes desse sofrimento.
Em parceria com os pesquisadores Angelita Habr-Gama e Rodrigo Oliva Perez, do Instituto Angelita & Joaquim Gama, o grupo de Camargo sequenciou o genoma do tumor de sete pacientes e identificou todos os rearranjos cromossômicos presentes em cada caso. Em seguida, foram desenvolvidos ensaios moleculares que permitem rastrear a presença dessas alterações cromossômicas em amostras de sangue.
“Se o exame molecular detectar a presença do DNA alterado, é sinal de que ainda há células tumorais produzindo e liberando esse material na corrente sanguínea. Já se o resultado for negativo, o paciente poderá repetir o teste de tempos em tempos para ter certeza de que não houve uma recidiva”, explicou Camargo.
Validação em grupo diferente
O método já foi testado em dois dos sete pacientes que tiveram o genoma sequenciado. “Como controle positivo, escolhemos um caso em que o exame clínico havia confirmado que o tumor continuava presente e o teste molecular, de fato, conseguiu rastrear o DNA tumoral no sangue”, contou Camargo.
Como controle negativo, os pesquisadores aplicaram o teste molecular em um paciente que já havia sido operado e a biópsia não havia revelado células tumorais. O resultado do exame molecular também foi negativo, reforçando a hipótese de que a cirurgia foi desnecessária.
“Começamos pelos extremos e agora vamos testar os pacientes em que haveria dúvida. Se conseguirmos reunir evidências de que o método tem, de fato, utilidade clínica, o próximo passo é testá-lo em uma amostra maior”, disse Camargo.
A grande dificuldade, segundo a pesquisadora, é que nos casos de câncer retal não existe um padrão recorrente de rearranjos cromossômicos. “Alguns pacientes podem ter dez rearranjos e outros podem ter mais de cem. Com a tecnologia de sequenciamento disponível hoje a um custo relativamente baixo, é possível analisar cada um dos tumores e desenhar os ensaios moleculares de forma individualizada”, disse.
Paralelamente, os cientistas analisam o perfil de expressão gênica em outra amostra de 30 pacientes para tentar identificar um conjunto de genes capaz de indicar antecipadamente a resposta ao tratamento neoadjuvante.
“Já achamos uma assinatura gênica capaz de dividir os pacientes em dois grupos – aqueles que respondem completamente ao tratamento e aqueles que têm resposta incompleta. Mas, para ter certeza, precisamos fazer a validação em um grupo diferente de voluntários”, explicou Camargo.
Segundo a pesquisadora, a estimativa é que no início de 2013 o sequenciamento de um genoma humano completo poderá ser feito a um custo de US$ 1 mil.
“Ainda é uma metodologia cara e poderá levar um tempo até ser incorporada ao Sistema Único de Saúde. Mas é um avanço importante e, como toda tecnologia nova, leva um tempo para ser incorporada e socializada”, disse. 

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Hormônio abre perspectivas para o tratamento do diabetes


Um dos mais poderosos mitos gregos de todos os tempos é o da tragédia do titã Prometeu, que roubou o fogo do Olimpo. Penalizado com o sofrimento humano, Prometeu rouba uma brasa da forja do deus ferreiro Hefesto e a entrega aos homens.  Furioso, Zeus manda acorrentar Prometeu no pico do Cáucaso e o condena a ter o fígado eternamente devorado por uma águia. Toda vez que a águia terminava de dilacerar o fígado de Prometeu, ele renascia e a águia começava tudo novamente.
Não é de hoje que a ciência sabe da capacidade do fígado em se regenerar e sua importância para o corpo humano. Entretanto, o que não se sabia é que um importante hormônio da regeneração do fígado, “o HGF”, parece desempenhar um papel relevante na obesidade e no diabetes tipo 2. Esse hormônio controla o crescimento das células beta do pâncreas (ilhotas de Langerhans), responsáveis pelo aumento da insulina no sangue, fator que antecede ao diabetes.
O biomédico Tiago Gomes Araújo investigou a participação do hormônio HGF - ou fator de crescimento do hepatócito - produzido principalmente pelo fígado, na resistência à insulina.  A pesquisa foi realizada no Laboratório de Investigação Clínica em Resistência à Insulina (Licri) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e no Laboratório de Pâncreas Endócrino do Instituto de Biologia (IB), ambos da Unicamp. A orientação foi do professor Mario José Abdalla Saad.
A pesquisa resultou na tese de doutorado “Caracterização do papel do HGF como elo entre o aumento da massa da ilhota/hiperinsulinemia e a resistência à insulina”, defendida por Tiago no final de outubro dentro do programa de Fisiopatologia Médica da FCM da Unicamp e no artigo “Hepatocyte growth factor plays a key role in insulin resistance-associated compensatory mechanisms”, recém-publicado na revista norte-americana Endocrinology.
Classicamente, em endocrinologia, existe um processo em que uma glândula controla outra. O hipotálamo, por exemplo, controla a hipófise e esta, a tireoide. Ambas, por sua vez, controlam testículos e ovários. É uma situação de equilíbrio. O mesmo princípio vale para o diabetes.
 “Tínhamos pistas de que um fator circulante controlava isso. Fizemos uma lista dos possíveis hormônios conhecidos e chegamos à conclusão que o HGF era um forte candidato”, explicou o médico endocrinologista Mario José Abdalla Saad.
O HGF é um hormônio produzido, principalmente, pelo fígado. Ele é identificado como um fator circulante envolvido na regeneração do fígado depois de uma lesão hepática. Além disso, é reconhecido que o HGF também exibe atividades de duplicação genética, produção da forma e migração celular em uma ampla variedade de órgãos, incluindo o fígado, rim, cérebro e pâncreas.
A resistência à insulina é manifestada pela perda da capacidade da insulina ativar sua via de sinalização. Em nível molecular, a insulina inicia sua atividade biológica ao ligar-se a seu receptor localizado na membrana das células. A resistência à insulina está presente na obesidade e, principalmente, no diabetes tipo 2.
A pesquisa de Tiago teve como objetivo mostrar a relação de causa-efeito entre o aumento dos níveis circulantes de HGF, o aumento de células beta do pâncreas, a hiperinsulinemia compensatória e a força dessa associação.
“Tanto in vitro quanto in vivo, o HGF estimula a secreção de insulina e o aumento da massa de ilhotas do pâncreas. Os níveis deste fator estão elevados na situação de resistência insulínica mais comum, que é a obesidade. Entretanto, essa vinculação ainda não havia sido explicada”, disse Tiago.
O estudo foi realizado em ratos. Eles foram divididos em dois grupos: um foi alimentado com ração padrão e água para roedores e outro com dieta de cafeteira, rica em refrigerantes, biscoitos, chocolates, bolos e salgados. Após seis semanas, o grupo de ratos com dieta de cafeteria foi tratado com uma solução de HGF recombinante ou com um inibidor farmacológico do receptor do HGF.
Além disso, com a intenção de provocar o aumento dos níveis internos de HGF, outro grupo de ratos foi submetido à cirurgia para remoção de 70% do fígado.
Para demonstrar a associação entre os níveis de HGF e a hiperinsulinemia, o pesquisador usou outros dois modelos animais: camundongos geneticamente modificados para obesidade e camundongos alimentados com dieta hiperlipídica, rica em gordura. O efeito dose-resposta (fracionamento) de HGF foi testado neste grupo de animais. Todos os procedimentos foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da FCM. 
Os dados obtidos pelo pesquisador mostraram que nos diferentes modelos de resistência à insulina, houve uma correlação forte e significante entre os níveis de HGF circulante, o aumento do número de células (hiperplasia) das ilhotas do pâncreas e os níveis de insulina. Além disso, observou-se no experimento que o aumento nos níveis de HGF circulante precedia à resposta compensatória associada com a resistência à insulina.
O mesmo aconteceu após a retirada parcial do fígado. Os resultados mostraram uma clara relação entre os níveis de HGF sobre o aumento na massa de ilhotas de Langerhans durante o processo de regeneração do órgão.
“No modelo animal de obesidade, observamos um aumento do HGF no fígado e no tecido adiposo, que são dois tecidos muito bem caracterizados em situações de resistência à insulina. Assim, podemos sugerir que a resistência à insulina, de alguma forma nestes tecidos, pode induzir um aumento do HGF. Isso passa a ser irônico, pois no sentido de proteger o indivíduo do desenvolvimento do diabetes, o organismo cria uma resposta compensatória aumentando a massa de células beta do pâncreas levando, assim, à produção de mais insulina para compensar o aumento do açúcar no sangue”, disse Tiago.
Assim como Prometeu, que roubou o fogo do Olimpo e teve seu fígado devorado diariamente pela águia, o processo de compensação passa a ser um mecanismo perverso. E como quebrar esse processo? Aí é que está a importância e relevância da pesquisa de Tiago.
O HGF exerce os seus efeitos por meio de seu receptor na superfície celular. Este receptor, denominado c-Met, quando ativado, induz a formação de um complexo chamado de c-Met/receptor de insulina. A via de sinalização da insulina tem um papel importante no aumento da massa das ilhotas do pâncreas. A formação desse complexo amplifica a via de sinalização de insulina, em cascata.
A pesquisa demonstrou que este é o mecanismo molecular pelo qual o HGF induz a resposta compensatória associada com a resistência à insulina. O estudo também provou que o bloqueio do receptor do HGF, por meio de um inibidor farmacológico, foi capaz de interromper esse mecanismo de compensação, observado nas células beta do pâncreas.
Outro ponto importante da pesquisa foi evidenciar que o efeito compensatório do HGF não está apenas relacionado com as ilhotas do pâncreas. No fígado de ratos obesos induzidos por dieta, onde a sinalização da insulina já se encontrava reduzida, foi observado que, após o tratamento destes animais com o bloqueador do c-Met, ocorreu uma piora nesta sinalização.
 “Estes dados suportam a ideia de que a sinalização do HGF tem um papel protetor na resistência à insulina e que existe uma correlação entre o HGF e o aumento da massa de células beta do pâncreas. Isto representa o mecanismo molecular pelo qual o HGF induz à resposta compensatória. Nosso estudo fornece evidências adicionais para o papel do fígado e do HGF nos mecanismos de resistência à insulina associada à obesidade e ao diabetes tipo 2”, disse Tiago.
O professor e orientador Mario Saad reforça a importância da descoberta: “O HGF passa a ser um alvo-terapêutico, pois melhora a ação da insulina nos tecidos periféricos. Se conseguirmos medicamentos que possam potencializar a ação do HGF, vamos conseguir drogas para tratar melhor o diabetes tipo 2. Além disso, isso mostra que ele pode ser usado para proliferação das células beta, representando um importante passo para o transplante de ilhotas pancreáticas em pacientes com diabetes tipo 1”, disse Saad.
A pesquisa teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Publicações
Tese: “Caracterização do papel do HGF como elo entre o aumento da massa da ilhota/hiperinsulinemia e a resistência à insulina”
Autor: Tiago Gomes Araújo
Orientador: Mario José Abdalla Saad
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
Financiamento: Fapesp e CNPq
Artigo: Araujo et al. Hepatocyte growth factor plays a key role in insulin resistance-associated compensatory mechanisms. Endocrinology, December 2012, 153(12).